domingo, 18 de setembro de 2011

MUKA

Muka: o poder dos yuxin e do xamã
O poder dos yuxin, que se revela por sua capacidade de transformação, é chamado muka. Muka é uma qualidade xamânica, às vezes concretizada como substância. O ser com muka tem o poder espiritual de matar e curar sem usar força física ou veneno (remédio: dau). O ser humano pode receber muka dos yuxin, o que lhe abre o caminho para se tornar xamã, pajé, mukaya. Mukaya significa homem com muka, ou na tradução de Deshayes “pris par l’amer” (‘pego pelo amargo’). O xamã tem um papel ativo no processo de acumulação de poder e conhecimento espiritual, mas sua iniciação acontecerá somente a partir da iniciativa dos yuxin. Se os yuxin não o escolhem, não o pegam, pouco adiantam seus passeios solitários na mata. Uma vez pego porém, o aprendiz torna-se doente nos olhos dos humanos (“ficam doidos quando chega mulher perto”). O ponto fraco do yuxin é o corpo, o do homem é seu yuxin; a “yuxindade” ameaça o corpo do homem, e o corpo, o sangue (feminino) ameaça a cabeça dos yuxin.
Se o homem que foi pego quiser seguir o caminho de mukaya, ele se submete a jejuns prolongados e severos (sama) e procura outro mukaya para instruí-lo.
Outra característica do xamanismo kaxinawá, expressa pelo nome mukaya, está na oposição entre o amargo (muka) e o doce (bata). Os kaxinawá distinguem dois tipos de remédio (dau): os remédios doces (dau bata) são folhas da mata, certas secreções e animais e os adornos corporais; os remédios amargos (dau muka) são os poderes invisíveis dos espíritos e do mukaya.
A especialidade de huni dauya (homem com remédio doce, ervatário) normalmente não se combina com a de huni mukaya (xamã). O processo de aprendizagem do ervatário é bem diferente do xamã. Se não lidar com folhas venenosas o ervatário não é sujeito a jejuns e pode desenvolver suas atividades normais de caça e vida conjugal. Ele adquire seu conhecimento através da aprendizagem com o outro especialista e precisa de uma memória e percepção agudas.
O primeiro sinal de que alguém possui a potência para ser um xamã, uma desenvolvida relação com o mundo dos yuxin, é o fracasso na caça. O xamã desenvolve uma familiaridade tão grande com o universo animal (ou com os yuxin dos animais), conseguindo estabelecer diálogo com eles, que não consegue mais matá-los:
“e anda no mato, bicho está falando comigo, disse. Quando vê o veado, aí chama ‘hei meu cunhado’, disse, aí ficava parado. Quando vem porco, ‘ah’, chamava, ‘ah, meu tio’, aí fica. Aí em nossa palavra disse ‘em txai huaí!’(‘Hei, cunhado!’), aí não come”.
Sendo assim, o xamã não come carne, e não somente por motivos emocionais. A impossibilidade de comer carne também está ligada ao muka, à mudança no olfato e no paladar da pessoa com muka amadurecido no seu coração. O gosto e o cheiro da carne tornam-se amargos.
Elsje Maria Lagrou
Antropóloga, professora da UFRJ

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Desapegar

Desapegar
Como é difícil desapegar... Aprendizado doído e muito sofrido.
Das coisas materiais, simbolismo e representatividade de nosso perfil no mundo, às pessoas/seres que tem uma história partilhada conosco.
Do filho que alça seus vôos para novos horizontes ao amigo que faz novos amigos e muitas vezes nesse novo agregar não nos cabe participar.
O mais fácil é deixar o ser amado livre para ir e vir ao sabor do vento. Ciúmes para que, se somos donos de nada e seres livres para experimentar cores e sabores...
De todos, o mais difícil é aceitar o tempo que cada um de nós tem para passar nesse mundo e se conformar com as partidas.
Uma vez alguém disse que essas partidas são como um navio que sai do porto e some no horizonte, ele não deixou de existir, em algum lugar estará lá, embora não o possamos ver, até o dia de regressar ao porto e quando todos nos encontraremos novamente.
Transpomos caminhos solitários e seguimos pelos mundos, porém fazemos parte desse mundo e podemos ser envolvidos pelas armadilhas do medo, solidão, tristeza, sentimentos que podem nos questionar sobre o que buscamos e quem somos.
Então entra o aprendizado do desapegar... Quem desapega não tem medo, medo de perder o que não se tem? Quem desapega não tem solidão, solidão de que, se já temos a amplitude?
Não há espaço nem lugar para tristeza para quem se desapegou...
Por isso a dificuldade do aprender, como é difícil e sofrido como uma borboleta que na luta para romper o casulo se fortalece e alça seu vôo.
Aprender e entender quando se deve lutar, enfrentar tudo que estiver pela frente e quando se deve deixar partir, libertar...
Que eu consiga romper meu casulo e voar com as borboletas nessa primavera.
Que Bel venha ao meu encontro aquecendo minha alma.
Corvius